
Um adversário
a mais: o preconceito.
A luta das mulheres por seu lugar no esporte.
A busca por romper barreiras e driblar o preconceito

Ao longo do tempo, as mulheres dependiam da família ou dos maridos. Para muitos, elas ainda são as únicas responsáveis pelo lar, filhos e companheiro. Com isso, as mulheres demoraram a conquistar espaço em muitas áreas, uma delas foi o esporte. Esse ambiente, além de exigir compromisso e esforço físico, as mulheres são julgadas por possuírem mais sensibilidade e fragilidade. No início da vida em sociedade, não praticavam esportes ou, se o exerciam, não eram valorizadas.
A primeira representação feminina, depois de séculos de competições mundo afora, foi em 1900, quando Alice Melliat reivindicou a presença nos Jogos Olímpicos. E em 1932, a brasileira Maria Lenk foi a primeira participar das Olimpíadas. Feitos importantes para as mulheres no esporte, pois somente quatro anos depois o Comitê Olímpico Internacional (COI) passou a considerá-las como atletas.
As conquistas femininas no esporte representam muito, mas a falta de valorização é uma das barreiras que as impediram por muito tempo de participar das competições. Nas Olimpíadas de Melbourne,Austrália, que ocorreram em 1956, somente uma mulher brasileira participou. Em 2012, as mulheres puderam disputar em modalidades exclusivos do sexo masculino e, com essa atualização do COI, homens e mulheres finalmente igualaram as modalidades competitivas. As mulheres,aos poucos,estão conseguindo conquistar seu espaço.
Na próxima Olimpíada, em 2020, acontecerá outro marco histórico e as mulheres poderão competir com os homens nas modalidades hipismo e vela. Para a psicóloga Marina Studart, as mulheres vêm procurando quebrar esses paradigmas sobre fragilidade e sensibilidade, que são culturais, por meio de conquistas pessoais, acreditando e investindo em si mesmas e, com isso, poder competir de forma equivalente em algumas modalidades. E que, claro, não envolvam as diferenças físicas, mas a capacidade de exercer e finalizar um percurso, como no hipismo.
Este é um processo exaustivo de lutas e conquistas no esporte. E, nem sempre esse percurso é fácil. As mulheres têm que enfrentar o machismo. O preconceito de homens, de mulheres e, até, de si mesmas. O maior desafio ainda é o assédio. Homens que se acham donos dos corpos das mulheres. Não entendem a presença feminina cada vez maior no espaço antes predominantemente masculino. Diante da ameaça, eles reduzem a convivência à dominação sexista.
Assédio
Um dos obstáculos que as mulheres enfrentam dentro do meio esportivo
Esses assédios, sejam morais, físicos ou sexuais, não acontecem somente com as atletas, dados do Datafolha mostram que 40% das mulheres sofrem contato físico sem consentimentos, comentários desrespeitosos entre outras situações constrangedoras e essas situações se tornam mais comuns entre as mulheres inseridas na área esportiva.
Tanto profissionais do ramo quanto torcedoras costumam ouvir frases classificadas como assédio verbal, por exemplo : “Tá fazendo o que aqui?, “Era pra está lavando roupa”, “Você não sabe fazer isso” etc. Esses comentários desnecessários podem ser classificados como uma forma de minar a resistência feminina. Vistas como objeto pelos homens, alguns sentem o direito de até mesmo beijá-las e tocá-las.
A luta por igualdade de gênero e as denúncias de assédios têm ganhado mais força no cenário esportivo, principalmente depois da campanha #DeixaElaTrabalhar que reuniu mais de 50 jornalistas de vários canais esportivos, entre elas Bruna Dealtry, Cris Dias, Carol Barcellos, Fernanda Gentil e Aline Nastari. A hashtag surgiu quando Bruna, do canal Esporte Interativo, foi beijada à força por um torcedor durante uma transmissão ao vivo. Com a campanha, mais mulheres se encorajaram.
Confira o vídeo vinculado na Internet envolvendo jornalistas que já sofreram assédio e também as que apoiam a campanha #DeixaElaTrabalhar.

Um exemplo desse assédio, é a história de Maria, uma jovem de 23 anos, que prefere não se identificar.Influenciada pelo pai, treinador de basquete, na adolescência jogou vôlei por vários anos, e sempre gostou de esporte, embora não fosse uma atleta profissional. Ao decidir o curso universitário, optou naturalmente por jornalismo, já com o olho na área esportiva.
Quando entrou na faculdade, não escondeu a sua vontade em trabalhar com esporte, o que causou em algumas pessoas um estranhamento e preconceito. Seu amor pelo esporte e a busca pelo conhecimento da área a fez frequentar este ciclo predominantemente masculino e sofrer assédios na universidade.A investida de um professor com o qual dividia as afinidades do esporte foi a primeira de muitas decepções que esse confronto com o machismo e o assédio trouxe a sua vida. “ Eu fiquei encabulada com a situação e com medo, pois ele era uma autoridade e tinha medo de falar com outras pessoas sobre isso e ninguém ia acreditar no que eu tava passando naquele momento, só Deus sabe o que senti”, disse Maria ao explicar que, naquele momento, ficou sem saber como reagir e só sentia medo.
“Tinha medo de falar com outras pessoas sobre isso pois ninguém ia acreditar no que eu estava passando naquele momento. Só Deus sabe o que senti”


Auto-estima
como forma de driblar o assédio e o preconceito
As dificuldades de se firmar em uma área historicamente dominada por homens são muitas e vários constrangimentos já acontecem todo dia, como é o caso de Gervana Sampaio, que sofreu assédio. “Tanto fisicamente, quanto nas redes sociais. Passei um tempo pra digerir tudo, mas vi que sou mais forte do que isso”,conta. Ela demonstra que essa força não se faz presente apenas entre um exercício e outro ou levantando algum peso.
Sua força faz com que ela vença barreiras e faz questão de valorizar a força da mulher
Gervana, que treina crossfit há dois anos,começou na modalidade por incentivo de um treinador que acreditou no seu potencial, nas características competitivas e no perfil ideal para praticar o crossfit. “O crossfit me ajudou na motivação, na segurança, não apenas fisicamente, mas também me ajudando a superar desafios na vida e tanto do lado pessoal quanto emocional”, afirma.
A atleta costuma postar um pouco da sua rotina na academia nas redes sociais e conta que os vídeos foram bem aceitos entre o público feminino, e teve até quem iniciou no crossfit sob sua influência. “Recebi mensagens de mulheres que diziam não ter coragem de praticar nada, mas quando viram a minha rotina passaram a se motivar e perceber que também eram capazes”, diz a atleta, afirmando ainda que suas seguidoras admitem ter melhorado muito na auto-estima. É nessa junção entre força, garra, vontade de vencer e essência feminina, como a auto-estima e beleza, que as mulheres vão conquistando o espaços no esporte.
“Não devemos nos subestimar, somos capazes de coisas que nem imaginamos, somos capazes de nos superar, basta se determinar a fazer aquilo que se gosta, sem ligar no que os outros vão pensar, mas ser feliz consigo mesma."





Mulheres
com a bola
O futsal, um dos esportes onde se destacam, em sua maioria, homens, é onde várias meninas iniciam e desenvolvem o interesse pela bola, começam na escola e levam para a vida. A atleta Dayane Cardoso, jogadora do Cuca Mondubim, conta que sofreu preconceito quando ainda pequena jogava futebol na rua de sua casa, os meninos a chamavam de “macho” entre outros apelidos.
“Eu já fui chamada de menino na rua. Já inventaram apelidos por jogar futebol na rua, a gente sofre preconceito. Para mim, isso só faz com que eu tenha mais vontade de praticar esporte, de jogar e vencer esse preconceito”, descreve a jovem.
Além do futsal, o basquete feminino ainda não tem o devido reconhecimento que as atletas merecem. Como conta a jogadora de basquete da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Sarah Queiroz. “Parece que já existem alguns esportes predestinados às mulheres né? O ballet, a dança, o vôlei”, afirma a atleta. A pivô também conta que a força da mulher é importante para conquistar o espaço dentro desse universo esportivo.

Quando ditam as regras
Não são só as atletas que vivem na luta diária por espaço, mas também quem trabalha assessorando essa área esportiva. Carol Romanholi foi a única árbitra mulher do Estado até 2016 e destaca a desproporcionalidade entre números de alunos e alunas do curso de arbitragem. Eram apenas cinco alunas cursando as aulas junto com outros 160 meninos. Além dos preconceitos que são gritados das arquibancadas,
Carol também sofreu em casa. Seu pai achava que a arbitragem era “negócio” de homem, porém, ver a filha bandeirando o fez mudar de opinião. A juíza afirmou que nunca pensou em desistir da carreira por conta de assédio e preconceito, tudo isso a fez ter mais garra para continuar.


Como vimos, as famílias também contribuem com o desestímulo , seja por prever os constrangimentos que suas filhas podem sofrer ou por receio que se machuquem. A professora Sônia Ficagna, por sua vez, teve que provar a sua competência diante de desafios de gênero várias vezes durante a sua trajetória da professora de Educação Física da Unifor e treinadora da Seleção Universitária de Atletismo. Natural de Brusque, Santa Catarina, a ex-atleta começou muito jovem, aos dez anos, e conquistou mais de 500 medalhas no atletismo.
Até chegar onde está, Sônia enfrentou a resistência da família e dos colegas. .Incentivada pelos professores, treinadores e diretora da escola onde estudava, Sônia nunca desistiu de praticar esportes. Ela conta que para sair e competir, tinha que dizer à sua família que ia à feiras científicas, profissionais e culturais, pois sua mãe não permitia que participasse das competições esportivas. Treinando às escondidas, a professora conseguiu conquistar, em 1997, a primeira colocação dos Jogos Abertos de Santa Catarina. A notícia saiu em todas a imprensa da região, não mais conseguindo esconder seu talento para o esporte.
Com 23 anos de carreira no atletismo, conquistou muitas medalhas, 40 nos Jogos Abertos, sendo 28 de ouro, nove de prata e três de bronze. Ao longo da carreira, foi mostrando a capacidade de conquistar espaços e títulos, que se transformou em uma referência no atletismo, a partir de suas medalhas e da garra para vencer os obstáculos. Sempre dedicada, Sônia acredita que a junção de suas competências como atleta e formação acadêmica a fez uma mulher mais forte. Hoje, ela é a única treinadora do sexo feminino da Universidade Fortaleza.
As mulheres, mesmo acompanhando as mudanças e entrando cada vez mais no meio esportivo, ainda não são reconhecidas e valorizadas. A treinadora, que é a única mulher que disserta na Federação Nacional de Atletismo do Brasil, acredita que tem muito a ser conquistado, dando exemplo com as diferenças salariais e qualidade das competições, o que aumenta a vontade de conquista dos espaços e das práticas esportivas.
Segundo a professora, que nunca aceitava um não como resposta, as mulheres não devem baixar a cabeça para essas limitações que lhe são impostas. Força de vontade, garra e sentimentos que são peculiaridades femininas devem auxiliar, assim como a sensibilidade que é uma aliada das decisões que precisam ser tomadas. Tudo isso ajuda na identificação e percepção de algumas necessidades dos atletas que, por vezes, não são percebidas pelo treinador.
Sempre em busca das atualizações dentro do esporte, as mulheres devem provar a cada dia que são capazes de exercer cargos de chefias e comandos de grandes seleções e trazer resultados positivos. Como treinadora de atletismo universitário, Sônia também conquistou muitos títulos, um deles foi com a atleta do Centro Nacional de Treinamentos de Atletismo (CNTA) Unifor/Caixa, Lorayna Targino, o título de campeã Sul-americana Juvenil, no 40º Campeonato Sul-americano de Juvenis de Atletismo, que aconteceu na Argentina. A qualidade técnica e prática da ex atleta garante bons resultados.
“Hoje, eu tenho muito mais força dentro do esporte. Hoje, dentro do estado do Ceará quem lembra do nome Sônia já associa ao esporte, ao atletismo.” afirma.
Várias conquistas mostram que o espaço feminino no esporte é mais do que uma tentativa de provar capacidade, mais uma das competências que as mulheres possuem e que praticam de forma eficiente. A professora, que alega não ter sofrido assédio e nem preconceito, afirma que o conhecimento e a competência, palavra tão usada em nossa entrevista, são os diferenciais para driblar os preconceitos e investidas, não só de homens, mas de pessoas que não acreditam em você, que podem ser até mesmo a própria família.
Acreditar que `lugar de mulher é onde ela quiser` é a melhor forma de enfrentar seus desafios e medos. Por mais que existam dificuldades e barreiras, como assédio, família, amigos, preconceitos ou falta de respeito, a luta diária por espaço, tanto no esporte como em qualquer lugar não deve ser negligenciada e, sim, vivida de forma intensa e sábia, forças que só a essência feminina explica.
